segunda-feira, 30 de abril de 2012

A intertextualidade na música e os poemas de Camões


A intertextualidade dos poemas de Camões está muito presente em nossa literatura,tanto que Renato Russo em sua música "Monte Castelo" nos apresenta sua versão do tão conhecido trecho do poema de Camões,além de usar algumas passagens da bíblia que se encontra em Coríntios 13. Fazendo com que os dois poemas se encontrem,a intertextualidade de ambos pode ser vista com o tema Amor.
Podemos ver na música: 



     Monte Castelo
     Legião Urbana

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.

É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal,
Não sente inveja ou se envaidece.

O amor é o fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria.

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder.

É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É um ter com quem nos mata a lealdade.
Tão contrário a si é o mesmo amor.

Estou acordado e todos dormem.
Todos dormem. Todos dormem.
Agora vejo em parte,
Mas então veremos face a face.

É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade.

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.



  
    Soneto 11
    Luís Vaz de Camões


Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;


É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;


É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.


Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

                         

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Camões e Petrarca

CAMÕES DRAMÁTICO:

Enquanto dramaturgo, Camões escreveu teatro aos moldes de Gil Vicente (“Auto de Filodemo” e “El-Rei Seleuco”) e aos moldes clássicos (“Anfitriões”), porém, diante da grandiosidade de sua poesia e da produção dos comediógrafos da época, não se pode dizer que produziu obra de grande relevância.

CAMÕES LÍRICO:

Camões produziu poemas nas duas vertentes que vigoravam em seu tempo, a medieval, expressa na “medida velha” (redondilhas), e a clássica, expressa pela “medida nova” renascentista (sonetos, odes, elegias, canções etc), subdividida em lírica e épica (“Os Lusíadas”). Em ambas as vertentes, Camões foi o maior poeta de seu tempo.

  • O soneto:

De origem controversa, o soneto atingiu vasto alcance e reconhecimento na Europa com Petrarca, que a ele fixou forma e conteúdo modelares. Composto por 14 versos dispostos em dois quartetos e dois tercetos, o soneto pode ser, quanto à métrica e à rima, constituído de variadas formas. Mas, tal como foi fixado por Petrarca, era composto de versos decassílabos e suas rimas dispostas segundo o modelo: ABBA – ABBA nos quartetos e CDC – DCD nos tercetos, sendo ainda comum o sistema CDE – CDE nos tercetos.

Os sonetos do Classicismo português seguiram os moldes do soneto petrarquiano, alcançando com Camões sua máxima expressão e triunfo. O que mais se conhece da poesia de Camões são os sonetos, dentre os quais encontramos os melhores de toda a literatura portuguesa.

A relação de Camões com Petrarca pode ser evidenciada na clara intertextualidade que o poeta português faz com um poema do poeta italiano, dos quais exibimos abaixo a primeira estrofe:

Poema de Petrarca

A alma minha gentil que agora parte
Tão cedo deste mundo à outra vida
Terá certo no céu grata acolhida
Indo habitar sua mais beata parte.

Poema de Camões

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Percebendo a intertextualidade

No estudo relativo à Lingüística Textual, aponta-se como uma das condições de textualidade a referência (explícita ou implícita) a outros textos orais, escritos, visuais, entre outros. Esse “diálogo” entre textos chamamos de intertextualidade. E sua importância é tamanha a ponto de se afirmar que "“A competência em leitura e em produção textual não depende apenas do conhecimento do código lingüístico. Para ler e escrever com proficiência é imprescindível conhecer outros textos, estar consciente de suas relações intertextuais, pois um texto nasce a partir de outros”. (Guia de Produção Textual).


“Quem escreve não escreve no vazio, pois um texto não surge do nada. Pode-se dizer que escrever é a habilidade de aproveitar criticamente, criativamente outros materiais interdiscursivos, outros textos. É por isso que quem lê está em situação privilegiada para escrever, uma vez que se apropria, mediante a leitura, de idéias e de recursos de expressão”. (Guia de Produção Textual)


O poema de Camões data do século XVI e compõe a vasta gama de produção do período do Classicismo. O poeta viveu experiências que formaram o “seu dramático mundo inconfundível” segundo Geraldo Mello Mourão. Dessa forma, sua expressão foi afinada por uma realidade trágica. O soneto foi produzido em uma época que ainda sofria resquício cultural da Idade Média, principalmente no tocante ao fato de que


“A literatura ainda era vista como um importante instrumento de formação moral dos homens nobres: tinha, portanto, caráter moralizante e aristocrático”. (Ulisses Infante)


Ele tenta, em vão, conceituar o Amor; mas só consegue demonstrar que qualquer tentativa semelhante, ao final, levará ao ponto de partida. Em Camões, o amor sempre é propositadamente contraditório, pois o poeta quer mostrar que é desse paradoxo que se origina a sua grandeza para dominar, de forma delicada e imbatível, a vida do ser humano, ser tão complexo em seus sentimentos. O tratamento dado ao tema no soneto é visivelmente ligado ao sentimento humano entre um homem e uma mulher, o amor romântico, seja ele correspondido ou não. O amor Eros está sempre ligado à falta, ao sofrimento, uma vez que um amante nunca está saciado do outro. Assim, a mensagem enfatiza que, embora haja sofrimento no amor, ele sempre é, contraditoriamente, acompanhado pela amizade e toda sensação causada por ele, aprazível ou não, é nobre e enobrece o ser que ama.


 A intertextualidade pressupõe um universo histórico-social e cultural muito amplo, pois, além de exigir do leitor a capacidade de compreender a função da alusão a outros textos, pressupõe a identificação das referências, o conhecimento de mundo, que deve ser comum ao produtor e ao receptor do texto e o reconhecimento de remissões a obras e acontecimentos gerais.
 papel da intertextualidade para a concretização dos objetivos e intenções do produtor do texto, e para o reconhecimento do leitor desse fator de textualidade, na construção do(s) sentido(s) do texto.

Referências bibliográficas :
CAMÕES, Luís Vaz de. Poesia Lírica. Ulisséia. 1988, 2ª ed.
INFANTE. Ulisses. Curso de Literatura Portuguesa: São Paulo: Scipione, 2001.
PUCRS – Guia de Produção Textual. Como realizar a Intertextualidade. Retirado dehttp://www.pucrs.br/gpt/intertextualidade.php em 17 de abril de 2012.